O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória
crônica, multissistêmica, de causa desconhecida e de
natureza auto-imune, caracterizada pela presença de diversos
auto-anticorpos. Evolui com manifestações clínicas polimórficas,
com períodos de exacerbações e remissões. De
etiologia não esclarecida, o desenvolvimento da doença está
ligado à predisposição genética e aos fatores ambientais,
como luz ultravioleta e alguns medicamentos.
É uma doença rara, incidindo mais freqüentemente em mulheres jovens, ou seja, na fase reprodutiva, numa proporção de nove a dez
mulheres para um homem, e com prevalência variando de 14 a 50/100.000 habitantes, em estudos norte-americanos. A doença pode
ocorrer em todas as raças e em todas as partes do mundo.
DIAGNÓSTICO
Critérios Diagnósticos
costuma-se estabelecer o diagnóstico de LES utilizando os critérios de classificação
propostos pelo American College of Rheumatology (ACR), que se baseia na presença de
pelo menos quatro critérios dos onze citados a seguir
1) Eritema malar: lesão eritematosa fixa em região malar, plana ou em relevo.
2) Lesão discóide: lesão eritematosa, infiltrada, com escamas queratóticas aderidas e
tampões foliculares, que evolui com cicatriz atrófica e discromia.
3) Fotossensibilidade: exantema cutâneo, como reação não usual à exposição à
luz solar, de acordo com a história do paciente ou conforme observado pelo
médico.
4) Úlceras orais/nasais: úlceras orais ou nasofaríngeas, usualmente
indolores, observadas pelo médico.
5) Artrite: artrite não erosiva envolvendo duas ou mais articulações
periféricas, caracterizadas por dor e edema ou derrame articular.
6) Serosite: pleuris (caracterizada por história convincente de dor pleurítica
ou atrito auscultado pelo médico ou evidência de derrame pleural) ou
pericardite (documentado por eletrocardiograma, atrito ou evidência de
derrame pericárdico).
7) Comprometimento renal: proteinúria persistente (> 0,5 g/dia ou 3+)
ou cilindrúria anormal.
8) Alterações neurológicas: convulsão (na ausência de outra causa) ou
psicose (na ausência de outra causa).
9) Alterações hematológicas: anemia hemolítica ou leucopenia (menor que 4.000
leucócitos/ml em duas ou mais ocasiões), linfopenia (menor que 1.500 linfócitos/ml em
duas ou mais ocasiões) ou plaquetopenia (menor que 100.000 plaquetas/ml na
ausência de outra causa).
10) Alterações imunológicas: anticorpo anti-DNA nativo ou anti-Sm, ou presença
de anticorpo antifosfolípide baseado em: a) níveis anormais de IgG ou IgM
anticardiolipina; b) teste positivo para anticoagulante lúpico ou teste falsopositivo
para sífilis, por no mínimo seis meses.
11) Anticorpos antinucleares: título anormal de anticorpo anti-nuclear por
imunofluorescência indireta ou método equivalente, em qualquer época, e na ausência de
drogas conhecidas por estarem associadas à síndrome do lúpus induzido por drogas.
Avaliação Laboratorial
reforça o diagnóstico quando se
observar alterações tais como:
leucopenia, anemia,
linfopenia,
plaquetopenia e
alterações do sedimento
urinário.
De particular importância para o diagnóstico de LES é a pesquisa de
anticorpos ou fatores antinucleares (FAN) por imunofluorescência indireta
(IFI), utilizando como substrato as células HEp-2.
ABORDAGEM
TERAPÊUTICA
MEDIDAS GERAIS
Educação: informar ao paciente e aos familiares o que é a doença, sua evolução, seus riscos e recursos disponíveis para o diagnóstico e o tratamento.
Recomenda-se a necessidade de cumprimento das medidas estabelecidas pelo médico.
Apoio psicológico: transmitir ao paciente otimismo e motivação para o tratamento, além de estimular os
projetos de vida.
Atividade física: repouso nos períodos de atividade sistêmica da doença e medidas visando a melhora do
condicionamento físico (estimular atividade física regular).
Dieta: Não há evidência científica de que os alimentos possam influenciar desencadeamento ou evolução da doença. Recomenda-se a
adoção de uma dieta balanceada, evitando- se excessos de sal, carboidratos e lipídios.
Proteção contra luz solar e outras formas de irradiação ultravioleta.
Evitar o tabagismo
TRATAMENTO MEDICAMENTOSO
O tratamento medicamentoso deve ser individualizado para cada paciente e dependerá dos órgãos ou sistemas
acometidos e da gravidade desses acometimentos. Em pacientes com comprometimento de múltiplos sistemas, o
tratamento deverá ser orientado para o mais grave. Quando houver manifestação que não responda a uma
droga, pode ser necessário fazer uso concomitante de diversos medicamentos.
COMPROMETIMENTO CUTÂNEO
O tratamento dependerá da extensão do acometimento dermatológico
e da gravidade das manifestações extra-cutâneas.
Lesões cutâneas localizadas
Terapia tópica com corticóide não
fluorado na face e areas de flexão
Lesões cutâneas disseminadas
terapia sistêmica, sendo consenso o uso
de antimaláricos como primeira opção
Na falta de resposta em três meses, quando a
lesão for muito extensa ou quando houver
progressiva piora, pode-se associar prednisona
em dose baixa a moderada por curto período de
tempo.
Fotoproteção
Considerando que a radiação ultravioleta B é a
principal causadora de fotossensibilidade e
desencadeante das lesões cutâneas do LES,
protetores solares com FPS 15 ou mais devem ser
utilizados em quantidade generosa pela manhã e
reaplicados mais uma vez ao dia.
COMPROMETIMENTO ARTICULAR
As artrites agudas, quando não acompanhadas de
comprometimento sistêmico, podem ser tratadas com
antiinflamatórios não hormonais. Caso não haja melhora,
pode-se substituir ou associar prednisona em dose baixa.
Nas artrites com evolução crônica ou com recidivas freqüentes está
indicado o uso de antimalárico. Nos casos não responsivos ou em que
os antimaláricos sejam contra-indicados, pode-se associar o
metotrexate.
COMPROMETIMENTO HEMATOLÓGICO
Não há estudos controlados avaliando o tratamento das anemias
hemolíticas auto-imunes decorrentes do LES.
O tratamento de escolha é feito com prednisona em dose alta a muito alta, por 4-6 semanas com posterior redução, na
dependência da resposta. A pulsoterapia com metilprednisolona deve ser indicada para casos graves, aos quais se requer uma
resposta mais rápida e a manutenção é feita com prednisona, VO, em dose baixa.
Nos casos refratários à corticoterapia ou quando houver necessidade de altas doses de manutenção, pode-se associar azatioprina à prednisona em baixas doses ou danazol à prednisona.
Imunoglobulina intravenosa mostrou ser eficaz em pacientes com anemia hemolítica auto-imune, podendo ser indicada em casos muito específicos como os que têm contra-indicação ou
toxicidade com outras terapias.
As plaquetopenias leves (> 50.000) geralmente não requerem tratamento específico. Prednisona em dose alta é
o tratamento de escolha para plaquetopenia sintomática no LES. Pulsoterapia com metilprednisolona pode ser
utilizada para plaquetopenia grave, quando se requer resposta mais rápida, embora sua superioridade em
relação ao uso de GC oral não tenha sido confirmada.
COMPROMETIMENTO CARDIOPULMONAR
O envolvimento das túnicas cardíacas geralmente apresenta boa resposta à corticoterapia, em doses moderadas, com exceção das miocardiopatias, que em alguns casos
podem ter resposta inadequada.
Há evidências claras de risco de aterosclerose em
pacientes com LES em virtude do aumento da
sobrevida, do uso crônico de corticosteróides, além
do papel da inflamação na gênese da placa
aterosclerótica.
O paciente deve ser orientado a controlar fatores de risco associados à doença coronária, como dieta, tabagismo, obesidade, sedentarismo e níveis
lipídicos sangüíneos. Os antimaláricos têm efeito benéfico no controle da dislipidemia de pacientes com LES
A pleurite geralmente é responsiva a corticosteróides em doses moderadas. O comprometimento parenquimatoso, embora mais raro, é muito grave, principalmente a
pneumonite aguda e a hemorragia pulmonar. Nestes casos está indicada a imunossupressão vigorosa com corticosteróides e imunossupressores.
MANIFESTAÇÕES NEUROPSIQUIÁTRICAS (MNP)
O diagnóstico das MNP envolve a exclusão rigorosa de eventos
secundários a outras situações clínicas que podem ocorrer no LES,
como distúrbios metabólicos, infecções ou uso de medicamentos. O
espectro das MNP é muito variável, podendo acometer os sistemas
nervosos central e periférico. Em 1999, o sub-comitê do American
College of Rheumatology classificou 19 síndromes neuropsiquiátricas
relacionadas ao LES :
O tratamento das MNP
deverá ser dirigido ao
tipo de manifestação
apresentada. Embora
não haja estudos
terapêuticos
controlados, as MNP
podem ser tratadas com
GC e/ou
imunossupressores
(preferencialmente a
ciclofosfamida) em
doses que variam de
acordo com a
gravidade(37, 38). Nos
casos de doenças
cerebrovasculares, em
decorrência de
fenômenos
tromboembólicos
(muitas vezes
relacionados aos
anticorpos
antifosfolípides) o uso
de anticoagulantes está
indicado.
COMPROMETIMENTO RENAL
Os principais objetivos do
tratamento da nefropatia do LES são:
controlar a atividade inflamatória e
prevenir a evolução para a
insuficiência renal crônica. Os
parâmetros utilizados para avaliar o
envolvimento renal e o
monitoramento da terapêutica são:
Clínico: Edema, oligúria e hipertensão arterial (um
número significativo de casos pode estar
assintomático).
Laboratorial: Exame do sedimento urinário, proteinúria de 24 horas,
creatinina e albumina séricas, depuração de creatinina, C3 e anti-DNAds.
Medidas Gerais
Controle rigoroso da hipertensão arterial, estando também indicados os agentes inibidores da
angiotensina, tendo em vista seus efeitos antiproteinúricos e renoprotetores, exceto quando ocorrer
disfunção renal aguda
Outras: controle da obesidade e da dislipidemia, interrupção do tabagismo, restrição ao uso de
antiinflamatórios não esteróides e outras drogas potencialmente nefrotóxicas
Tratamento Medicamentoso
Para os pacientes com nefrite lúpica das classes
III e IV da OMS (glomerulonefrite proliferativa)
O glicocorticóide é a droga de escolha
para a doença ativa, na dose de 1 a 1,5
mg/kg/dia de prednisona, por um
período de 6 a 8 semanas, seguindo-se
sua redução progressiva até 0,25
mg/kg/dia. A pulsoterapia com
metilprednisolona está indicada para
os casos mais graves, com disfunção
renal aguda.
Nas nefrites proliferativas está
indicada a associação de GC com
agentes imunossupressores
citostáticos, particularmente a
ciclofosfamida, por via oral ou
endovenosa, sob a forma de pulsos,
inicialmente, mensais e,
posteriormente, bimestrais ou
trimestrais
A despeito de algumas controvérsias, até o momento, a
ciclofosfamida é considerada a terapia mais efetiva para o
tratamento inicial de nefrite lúpica grave, entretanto, como esta
não é capaz de controlar todos os casos, em razão de sua
toxicidade, novos esquemas terapêuticos devem ser avaliados
Nos pacientes com nefrite membranosa (classe V – OMS) o
tratamento é controverso.
Podem ser utilizados glicocorticóides e/ou agentes
imunossupressores na dependência do quadro de síndrome
nefrótica. Entre os imunossupressores podem ser indicadas
a ciclofosfamida endovenosa e a ciclosporina
Na situação de evolução para
a perda cronicamente
evolutiva da função renal, com
depuração de creatinina
menor que 30 ml/min, não
estará indicada a terapia
imunossupressora com
glicocorticóides ou
citostáticos, exceto para o
tratamento de manifestações
extra-renais
A terapêutica substitutiva renal poderá incluir a utilização de métodos dialíticos e o
transplante renal. A indicação deste último procedimento deverá obedecer à um
prazo não inferior a um ano de remissão da atividade do LES.